terça-feira, 3 de janeiro de 2012

CAPÍTULO TRÊS


Naquele momento, o sentimento que moveu Maurícia não foi pena, e sim... Uma empatia profunda, incisiva, subversiva mesmo. Profundamente solidária.
Não do tipo de quem se coloca no lugar do outro, mas de quem já havia estado naquela posição.
Procurou não julgar se a morena – obviamente a ex de Liv – era louca, muito escrota ou completamente sem noção. Agindo instintivamente, sem usar a racionalidade, insistiu:
– Vamos?
Um brilho de compreensão finalmente surgiu nos olhos de Liv, enquanto ela concordava:
– Vamos.
Despediram-se rapidamente de Miguel, Leandro e Fábio. Liv dirigiu um último olhar para Juliana, que continuava alheia a tudo, beijando a namorada. E, então, jurando para si mesma que aquela era a última vez que permitiria que a ex a deixasse naquele estado, virou-se e caminhou em direção a saída, com Maurícia seguindo-a, sem a menor necessidade de palavras.
Leandro puxou Miguel para longe de Juliana e da namorada:
– Uau! Realmente, minha cunhada é algo!
Fábio juntou-se aos dois, igualmente empolgado:
– Por todos os deuses! Deu certo!
Mas Miguel conhecia Maurícia:
– Não sei não.
Abraçando o namorado, Leandro retrucou:
– Que isso, amor? Você não sentiu a energia? Não viu os sinais?
Quase gritando, Fábio concordou:
– Tá na cara que elas tão profundamente conectadas! E digo mais: foi uma coisa linda! As duas resistiram, não quiseram, mas mesmo assim se esbarraram. Coisa do destino! Inevitável! Ai, eu fiquei até inspirado...
Gritou para quem quisesse escutar:
– Preciso de uma boca pra beijar!
E saiu dançando e olhando em volta, procurando um alvo.
Miguel discordou, como se pensasse alto:
– Foi fácil demais.


Assim que chegou em frente ao carro, Liv começou a tremer. O choro veio de forma incontrolável.
A intenção de Maurícia era apenas tirá-la de lá. Não pretendia obrigar Liv a levá-la, podia perfeitamente pegar um táxi. O descontrole dela, no entanto, mudou tudo que havia planejado.
Tocou o ombro de Liv de leve, com todo o cuidado. Mesmo assim, ela saltou ao contato. Maurícia recuou, não querendo ser invasiva. Afinal de contas, não tinham a menor intimidade. Na verdade, sequer se conheciam. Ficou um pouco sem graça, sem saber direito o que fazer ou o que falar.
– Não prende. Desabafa.
Foi o que afinal deixou escapar. De costas para ela, Liv fez exatamente o contrário. Enxugou o rosto com as mãos e conteve as lágrimas:
– Não, eu... Eu tô bem... Não precisa se preocupar... Desculpe, eu não queria... Foi só um...
Maurícia não a deixou continuar:
– Tudo bem, guria. Relaxa.
Mas Liv estava – não poderia ser diferente – inteiramente em pedaços. Estressada, magoada, envergonhada na frente de uma completa estranha que provavelmente a julgava a mais estúpida das criaturas. E, no entanto, a salvação não viera das mãos de nenhum dos amigos, mas exatamente da desconhecida que a fitava. Uma angústia corrosiva voltou a dominá-la, sentiu-se na obrigação de justificar:
– Obrigada. Eu... Normalmente não sou... Você deve estar pensando que eu...
Maurícia a cortou sem hesitar:
– Eu não estou pensando nada. Te acalma.
De um jeito estranho, inexplicável, a firmeza quase rude dela conseguiu reconfortá-la. Liv a fitou num misto de espanto e gratidão. Estranhando, mas não querendo questionar, nem encontrar naquilo qualquer tipo de razão.
Observando-a atentamente, Maurícia perguntou:
– Consegue dirigir?
Liv respondeu ainda enxugando as lágrimas:
– Claro.
Mas Maurícia não ficou muito convencida. Preocupada, não achava prudente deixá-la sozinha. Entretanto, a última coisa que desejava era dar trabalho. Acabou dizendo:
– Vou pegar um táxi.
O protesto de Liv foi quase ofendido:
– Não!
Sem querer ser mal interpretada, completou de um jeito bem mais suave:
– Eu posso te levar.
Maurícia tentou recusar:
– Não precisa.
Percebendo o quanto estava sendo indelicadamente categórica, amenizou com um brando:
– Eu não quero te incomodar.
Liv então foi decisiva:
– Incômodo nenhum. Faço questão de te deixar em casa.
Destravou as portas, entrou no carro e praticamente intimou:
– Vem.
Deixando Maurícia sem ter como nem por que não aceitar.


O silêncio que se instaurou não incomodou Maurícia. Ao contrário, com o vidro aberto para receber o vento no rosto e admirar melhor a paisagem, deixou-se encantar pela beleza do caminho. Facílimo. A vista do elevado do Joá era uma das suas favoritas do Rio.
Liv, por sua vez, sentiu um profundo alívio quando finalmente percebeu que Maurícia não tentaria puxar conversinhas triviais, falar sobre o que havia acontecido, nem nada do tipo.
Não queria voltar a pensar na ex, mas... Tarefa difícil, quiçá impossível. Mesmo contra a sua vontade, a mente projetava os flashes dolorosos impiedosamente, como se fosse um filme. Juliana com a outra. Dançando, beijando, sorrindo, proclamando para quem quisesse ouvir: “A Su vai morar comigo!” – com uma felicidade ofensiva.
Deixou escapar um:
– Puta que o pariu!
Sem nem sentir. Só depois lembrou que não estava sozinha. Olhou para a loira sentada no banco do carona ao lado dela. Fitando-a, seriíssima.
Suspirou profundamente. Depois de tudo que a irmã de Miguel havia presenciado, era inútil tentar ter qualquer tipo de... Bom, fingir que estava tudo bem não fazia o menor sentido. Resignada em, mais uma vez, ser incapaz de manter a linha, acabou explodindo, numa necessidade súbita, inteiramente impulsiva:
– Como ela pôde fazer isso comigo?!
Maurícia não respondeu. Permaneceu quietinha, absolutamente ciente de que, naquele momento, não precisava nem deveria fazer ou falar nada. Ela só precisava de alguém que a ouvisse.
Exatamente como Maurícia calculou, Liv continuou extravasando:
– Eu nunca pensei que... Esperava tudo, menos isso. Como eu sou estúpida! Eu sou uma babaca, uma imbecil! A facilidade com que ela... Além de me trair, me descartou, me trocou como se eu fosse um pano de chão usado! Como eu não vi? Como eu não percebi? Ela não liga, nunca ligou. Não tá nem aí pro que eu sinto ou deixo de sentir. Nem me conhece o bastante pra isso. Sequer sabe quem eu sou. Se soubesse não... Pra ela, eu não sou nada! E eu fui idiota o bastante pra dar cinco anos da minha vida pra essa filha da puta escrota e egoísta!
O desabafo terminou em lágrimas, que Liv tentou enxugar com uma das mãos, sem muito resultado.
Maurícia sugeriu:
– Quer encostar o carro?
Liv virou-se para Maurícia, pronta para descontar nela toda a frustração, a irritação, a revolta que sentia. Entretanto, a doçura do olhar azul... Foi o que a impediu. Não engoliu a resposta nada educada que tinha nos lábios. Ela simplesmente esvaiu-se. No lugar dela, o que surgiu foi um suave:
– Não, eu tô bem. Pelo menos pra dirigir.
Riu de si mesma. Sozinha, uma vez que Maurícia não aderiu. Apenas fitou Liv, avaliando-a. Em circunstâncias normais, estranharia. Porém, a situação era, por si só, totalmente fora do comum. Impossível tirar qualquer tipo de conclusão. Agiria diferente no lugar dela? Apesar das diferenças culturais, e de ser evidentemente mais introspectiva, Maurícia não poderia afirmar nem que sim, nem que não.
Liv passou o restante do percurso em silêncio. Até gostaria de amenizar a situação terrivelmente embaraçosa, mas, depois de tudo, estava convencida de que o melhor era evitar maiores constrangimentos. Ou seja: permanecer muda.
Conseguiu por um bom tempo. Chegando na Gávea, subiu até o fim da Rua Major Rubens Vaz, estacionou em frente ao prédio de Leandro e Miguel, e falhou vergonhosamente no intento. Assim que desligou o carro, viu-se falando:
– Olha... Desculpa, eu... Você deve estar achando que eu sou uma louca, mas é que... Realmente não tô nos meus melhores dias, e...
Parou, suspirou, olhou diretamente para os olhos azul cobalto e completou com uma firmeza suave e doce:
– Me desculpe.
A mudança no tom e no olhar dela desconcertou Maurícia. Inexplicavelmente, um profundo constrangimento a dominou e a fez desviar os olhos. Já se soltando do cinto de segurança, respondeu:
– Tudo bem. Não te preocupa.
Liv insistiu:
– Também quero te agradecer.
Maurícia voltou a fitá-la, num misto de diversão e surpresa:
– Pelo quê?
Foi a vez de Liv baixar os olhos:
– Você me salvou. Se não tivesse me tirado lá da festa, eu... Acho que... Ia perder a cabeça.
Tinha os olhos marejados quando buscou os azuis novamente:
– Muito obrigada mesmo.
Liv sorriu, sem ter ideia do que trazia na expressão. Muito mais dor do que qualquer outro sentimento.
Uma enorme aflição tomou conta de Maurícia ao vê-la, percebê-la e, afinal, reconhecê-la. Contestou baixo, sem conseguir disfarçar direito:
– Nada. Eu que te agradeço.
Os olhares voltaram a se encontrar, perdidos numa confusão de sensações, emoções e anseios. Maurícia completou esquivando o olhar, como quem tenta escapar de um erro:
– Obrigada pela carona.
Liv replicou um pouco sem jeito:
– O mínimo que eu podia fazer era trazer você.
Maurícia colocou a mão na maçaneta da porta sem, no entanto, abri-la:
– Bom... Então boa noite, eu... Vou descer.
A reação de Liv foi absolutamente visível. Tentou disfarçar inutilmente:
– Ah, é claro... Então... Boa noite...
A melancolia, a fragilidade, a solidão na voz dela fizeram Maurícia seguir o impulso inexplicável de sugerir:
– Quer subir? Conversar um pouco?
Tentou recusar da maneira mais sincera:
– Melhor não, eu... Adoraria, mas... Não quero incomodar mais do que já incomodei.
Impossível para Maurícia não rir da negação menos convincente que já havia ouvido. Foi curta e grossa:
– Se fosse incômodo, eu não convidava.
Abriu a porta e saiu, deixando Liv imóvel e perplexa dentro do carro. Esperou do lado de fora pela decisão dela. Nada. Estranhando a demora, enfiou a cabeça de volta:
– Tu vem ou não?
Nunca, em todos os seus 38 anos de idade, Liv havia visto uma rispidez mais... Não tentou encontrar a palavra.
Fez que sim com a cabeça, saiu, fechou, ligou o alarme do carro e a seguiu com um sorriso divertido nos lábios.


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postado originalmente em 02 de março de 2011 às 10:55

OBS IMPORTANTE: 

A história não está completa, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação. 

4 comentários:

  1. Fabiana disse...

    Poxa, Diedra!!! Só uma vez por semana, é mto pouco!!! kkkk. Bjs!
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 11:24
    DIEDRA ROIZ disse...

    @Fabiana
    É, linda, eu sei...
    Mas putz!
    Já tá tão difícil conseguir ter tempo pra escrever e postar uma vez por semana...
    Conto com a compreensão de vcs, ok?
    BJ suuuuuuuuuuuuuper imenso!
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 11:55
    Escaminha disse...

    Mistério hein...
    Agora é guardar a anciedade até 4ª que vem...
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 14:04
    Li Paulucio disse...

    Ahhh Diedra, tu sempre termina na melhor parte! Rs.
    Ainda morro de tanta curiosidade! Rsrsrs. Bom, o jeito é esperar até quarta que vem neh! ^^
    Ah, tu poderia me passar teu e-mail? Gostaria muito de pedir tua opinião sobre um assunto da facul... Desde já agradeço!
    BeijãO!
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 14:28
    DIEDRA ROIZ disse...

    @Escaminha
    kkk
    Mistério nada, linda...
    Logo se revela, né? kkk
    BJ mega imenso!
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 14:55
    DIEDRA ROIZ disse...

    @Li Paulucio
    Ah...
    Tenho que deixar o gancho pro próximo capítulo, né? kkk
    Meu email é: diedraroiz@gmail.com
    Se eu souber opinar farei com todo prazer!
    BJ ultra imenso!
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 14:56
    K. Ártemis disse...

    Todas as quartas tenho a árdua e chata tarefa de vir aqui ler mais um capítulo deste conto...tarefa tão árdua e chata que só imagino quando tenho que ficar em uma casa de praia, deitada em uma rede, tomando uma super gelada água de coco em um dia de verão. Realmente as minhas quartas são bem ruins né?
    Agora que dei uma exagerada só posso repetir o óbvio: ainda continuo adorando o conto! Se gosto desde que comecei a ler os que escreves, agora só gosto um pouquinho mais.
    Beijos.

    P.S.: espero que eu não tenha escrito sábado denovo em lugar nenhum...
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 15:55
    LIKA disse...

    BOA NOITE .
    MUITO OBRIGADO POR NÓS DA A OPRTUNIDADE DE UMA ALEGRIA UNICA.
    QUE É PODER LER É VIVER UM POUCO DO SEU MUNDO.
    MUITO OBRIGADA É ESPERO SEMPRE POR MAS UM CAPITULO.
    BEIJOS.
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 22:13

    ResponderExcluir
  2. Maria disse...

    Diedra, concordo com a Fabiana em numero, gênerooosss e grau!!!! Mas, um por semana é melhor que nada.... Pra quem passou o mês de dezembro e janeiro lendo todos os seus contos, romances, artigos e o livroooo(!!!!!), claro tenho que acrescentar seu perfil do blog..rsrs foi um alivio quando essa história apareceu!!!rsrsrsrs Uma dica pra Fabi... na terça antes de dormir eu tomo um chaziiin de camomila...rsrsrs
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 22:39
    Nanda Santana disse...

    Parabéns Diedra! Toda espera é sempre recompensada com cada capítulo maravilhoso, não tem como não viciar na tua página.

    Adorei!

    Beijos e até quarta...
    ◄ Responder Comentário 2 de março de 2011 23:10
    Rê disse...

    Guriaaaa...

    Só agora consegui entrar pra ler o cap. continua ótimo...

    Tô adorando.

    Bjs...


    ◄ Responder Comentário 3 de março de 2011 00:52
    »» Lya «« disse...

    Nossa Diedra você é simplesmente fabulosa viu!
    É uma "torturante" e longa semana que espera pelo próximo capítulo e quando termina deixa o gostinho de quero mais...
    Entendo o "corres" do dia a dia, mas mesmo assim queria que amanhã já fosse quarta novamente, rs!

    Parabéns SEMPRE viu!

    *Sou tua fã*
    ◄ Responder Comentário 3 de março de 2011 02:13
    Stellinha disse...

    Diii!! cada capitulo mais envolvente que o outro!
    estou adorando!!!

    Me explica uma coisa....acho q li mto rápido e não saquei...ou então é loucura minha mesmo... A Liv é carioca e a Maurícia é gaúcha? ou nada a ver??? é q to achando que essa carioca está com o sotaque bem sulista! hehehe

    desculpa a confusão!

    Até quarta que vem!!!
    bjão!
    ◄ Responder Comentário 3 de março de 2011 12:27
    Mery disse...

    Voltei, cheguei, baixei, saravei !
    Putz ! Pensou que estava livre de mim, né ? Ledo engano.
    Um sumiço temporário mas necessário.
    Hoje, ao acessar o blog, li tudo de uma porretada só. O fim do Manual e a nova história. Sei que vc não é o McDonald's mas "Amo muito tudo isso".
    Começou bem, hein ? Duas criaturas fechadas para o amor... Veremos no que vai dar. Mas vindo das suas mãos, certamente será uma linda história.

    Bjo.
    ◄ Responder Comentário 3 de março de 2011 15:12
    Aninha aruen disse...

    ai que lindo,to adorando!!!! curiosa pra saber o que aconteceu na casa dela depois que subiram...bjss enormes Di!!!!
    ◄ Responder Comentário 3 de março de 2011 23:42
    Thays disse...

    Estou adorando!! Babando pelo próximo capítulo.
    Hiper,mega,super bjão!!!
    ◄ Responder Comentário 4 de março de 2011 00:35

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  3. fogo à vista? Sera? Essas duas têm personalidade forte.... isso ae vai dar confusão..... essa fragilidade da LIV eh so aparente.... as duas estão em momentos parecidos...totalmente na defensiva ....resta saber se isso vai virar fogo ou se elas irão se antipatizar ....simplesmente por tentarem lutar contra essa afinidade que apareceu...logo de cara.....bom....deixa eu ler ne? Pq ja ta postado e eu to curiosa! Haha.....bjo!

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  4. as duas personagens são interessantes demais,cada uma com sua peculiaridade,instigantes demais. tõ devorando palavra por palavra.

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